quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Do amor I

              Estranhamente, por mais que quando questionados sobre o tema, aleguemos não haver definição e até concordemos com a subjetividade que lhe é pertinente; a construção "amor"  parece seguir uma tradicional receita milenar. Mesmo na ausência de registros, através do advento da oralidade, todos julgam conhecer os ingredientes que caracterizam a sua existência e independente da forma como são citados, quantificados ou ordenados, estas projeções encontram-se em muitos aspectos, de forma similar na fala do senso compartilhado.

                 A divinização, a subserviência, o incondicional, o auto-sacrifício, o “não por mim” e o “para o outro”, tornam evidente a constituição retrógrada das mentalidades contemporâneas quanto ao tema. Se não avaliássemos o objeto tal como insistimos em fazê-lo e considerássemos o caráter subjetivo que valida ou não a existência da "coisa-em-si", seria possível evitar a frustração resultante das projeções platônicas e elementos morais adicionados a esta receita corrompida pelo idealismo que condena as relações sexuais-afetivas.

                É deste senso denotativo de amor de que deveríamos nos livrar! Pois de fato, desta forma, eu declaro sua inexistência, sobretudo porque a construção do mesmo nasce de um longo processo de significação oriundo de experiências extremamente singulares.  Quando se valida esta experimentação, é somente para si mesmo que a "coisa" pode existir. É somente a sua construção que pode ser vivenciada e/ou contestada. Muitas vezes nos percebemos questionando aquilo que o outro entende como amor, quando não há referenciais compartilhados. É comum ouvir alegações do tipo: _" Ele(a) nunca me amou!" ou acusações como: _" Se você me amasse..." Mas é preciso deglutir, primeiramente, a arrogância com a qual são definidos os parâmetros que determinam a genuinidade de um "amor" sobre todos outros.  

                 Ainda que julguemos nossas receitas similares, cabe lembrar que em se tratando do mundo sensível, ou seja, abstrato, esforça-se em vão aquele que pretende uma verdade irrefutável. Ao apontar para uma cadeira e alegar que aquele objeto trata-se de uma cadeira, ainda que sejamos contrariados, se estivermos lidando com pessoas mentalmente capazes que compartilhem da mesma esfera social e cultural, dificilmente haverá uma outra interpretação acerca do que está sendo demonstrado. Entretanto, o mesmo não acontece quando nos referimos à metafísica.

                 Sendo assim, livrar-se da "fórmula" e da tentativa de padronização daquilo que depende exclusivamente de si mesmo para obter significado, tem como finalidade eliminar alguns conflitos e frustrações, para que seja possível tirar o máximo proveito, de forma qualitativa, de  todas as sensações e sentimentos que possam ser experimentados em qualquer tipo de relação.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Da mentalidade

Lamentável essa dinâmica de falsa "dialética" sem síntese no apogeu da liberdade de expressão. Mais um enfadonho legado das construções subjetivas que compõem as tão complexas mentalidades.  Em uma analogia moderna, a mentalidade poderia ser comparada a um software, cujo código fonte e linguagem lógica são compostos por valores interpretados e executados pela máquina humana. Um sistema operacional instalado que formata nossa visão de mundo e consequentemente, configura nosso comportamento.

A lógica didática, que contribui para a falsa ideia de evoluções lineares e contínuas, faz com que nos choquemos durante os comuns embates repletos de posições e contraposições.  Esquecemo-nos das inúmeras variáveis que compõe essa linguagem de programação. Por vezes, subestimamos os conflitos que podem ser gerados em função das mais variadas e duvidosas fontes de downloads pelas quais esses softwares podem ser adquiridos. Considerando, sobretudo, que para alguns, a funcionalidade da mentalidade trate-se do fator prioritário; se a máquina humana executa as funções básicas, já serve ao propósito de seu usuário. Os upgrades disponíveis não constituem atrativos suficientes para a mais tecnológica e revolucionária das atualizações.

É fato que qualquer tipo de revolução soa como uma maldição para o "senso comum”  e todo seu catastrófico complexo de mentalidades coletivas. Um "Cavalo de Tróia" ameaçando seus padrões racionais e sensíveis, incluindo o imprescindível - e para muitos - atrativo diretório que contém todos aqueles dogmas e paradigmas culturais. E por essa razão, todas as vezes que uma variável surge neste contexto, sentimo-nos varridos por uma espécie de “anti-virus”, um repelente de polêmicas, visto que que a revisão de qualquer elemento de massa, possa contaminar a “funcional” máquina humana. 

 As versões corrompidas, possuem ferramentas eficientes que impedem o rompimento do conservadorismo, compactando as potencialidades racionais, deletando arquivos e extensões que sejam capazes de interferir na mentalidade retrógrada, colocando o executável da racionalidade em quarentena. Felizmente, o processo de formatação massiva está sujeito a falhas. Sou grata pelo acesso e aquisição de todos os meios de upgrades disponíveis e por esbarrar, ainda que de vez em quando, com aqueles que não se limitam apenas a utilizar-se da máquina humana, como se empenham em intervir em seus próprios códigos e linguagens de programação, com o objetivo de inserir sua própria lógica.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Do medo

             Eis que surge o incômodo! Ainda que isoladamente, deveria constituir motivo suficiente para o rompimento ou a promoção de mudanças. – concluímos!
             Prático, se o mesmo não dispusesse de um adversário severamente estrategista: o medo!

               Sendo assim, se nos propusermos a identificar a origem dos nossos medos, olhando para dentro, como exercício de auto-compreensão, com a finalidade prévia de entendimento da dinâmica de “nós mesmos”, é possível perceber o quanto o medo se apropria e fortalece de todas as construções absolutas e ideais fixos, sobretudo das idealizações construídas ao longo de nossa existência.

              Veremo-nos apegados a expectativa de que a situação atual e todo o seu complexo, dado um não tão certo, porém muitíssimo esperado momento “possa vir” a tornar-se tal como aquilo que idealizamos. Pois, afinal, "reza a lenda" de que todos os nossos esforços teriam sido em vão, não é mesmo? A sensação de fracasso seria inevitável! Porém, hoje após todas as revisões possíveis, acredito irremediavelmente, que se existe esforço para considerar algo satisfatório, seja uma situação ou relação, se existe uma ação ou um projeto de melhoria que pretendo seguir para transformar o que de fato vivencio, entendo como fracassada a intenção de “enquadramento” daquilo que vivo, compreendido que o que motiva a minha insatisfação seja a utopia de uma idealização. Trata-se da minha incapacidade de lidar com isto afinal, e quando o "isto" provém de uma escolha, me parece absolutamente sem sentido que eu tenha de "enquadrar" ou "melhorar" algo que tenha escolhido para mim mesma.

               Ainda que com todos os incômodos, a passividade como conseqüência do medo, advém da crença na probabilidade de que o que temos, venha a se tornar aquilo que gostaríamos de ter. O foco no emprego perfeito, no parceiro perfeito, na família perfeita, no relacionamento perfeito ou no cotidiano perfeito, anula um fator predominante na equação das relações humanas: o outro, sob o qual por mais que desejemos e nos esforcemos, ainda que dotados de uma capacidade notável de manipulação, não possuímos o total controle.

                Em se tratando de bilhões de “individualidades”, se existe algo pelo que temo, mais que o "assustador" enfrentamento do desconhecido, que sugere que conheçamos o presente e o que está por vir, quando sujeitamo-nos as intempéries da natureza e da própria  raça humana, definitivamente é a prisão deliberada provocada pelo “e se...” ou por um projeto unânime que por mais que eu acredite que seja capaz de atender a todos, vá me rementer à situações conflitantes e ao desequilíbrio onde vigora a orientação egóica impositiva, que nega o que me parece óbvio: a tentativa de  remediação de péssimas escolhas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Da imperfeição

            Quando percebi aquela criatura destemida, que parecia saída das páginas de todos os meus filósofos preferidos, expressando suas opiniões ácidas, revelando-se nas pistas de dança, vivenciando suas paixões afirmativas, avessa às dramatizações, cheia de vontade de vida, logando todos os meus chats e redes sociais, tomei consiência de que possuía um outro eu e que esta personalidade alternativa referia-se a expressão não declarada daquilo que eu idealizava como meu “eu” perfeito.

            De uma forma abrangente, foi possível avaliar a razão para o universo de expectativas que integravam não só a minha, mas a mente humana de uma forma geral. Ainda que Platão já o tivesse dito, só seria possível validar tais conclusões, a partir de muita reflexão e do estudo e avaliação crítica, não apenas do meu, mas de todos os casos dos quais pude estar relativamente próxima.

           Reconhecer, ainda que não se trate de novidade alguma, que o homem constitui em si mesmo o maior instrumento daquilo que denomina como infelicidade, retirou-me do papel de vítima, libertando-me das atribuições de responsabilidade e conseqüentemente, colocando-me no cerne da questão. Uma vez que cada elemento existente no mundo real - incluindo a nós mesmos - possua uma forma ideal, o elemento “real” estará sempre para o elemento “ideal” como uma espécie de cópia inferior ou imperfeita.

            E quanto a esta pretensão egocêntrica que sugere a sujeição do universo à uma ordem particular? Não que eu acredite, considerando minhas limitações humanas, que seja possível abortar o embrião ideológico. Mas certamente que se pode racionalizar sobre este, reconhecendo, por exemplo, nos extremos de nossas sensações, avaliando nosso comportamento, o quanto os mesmos parecem contagiados ou infectados por idealizações.

            Não se trata de não sentir, mas sim, de aprender como fazê-lo. Pois é fato que alguns elementos deste universo sensível podem oferecer instrumentos com os quais possamos produzir algum bem de utilidade. A problemática em questão se dá, quando este universo impenetrável, destila um veneno que culmina em compulsões e frustrações. É preciso que estejamos aptos a identificar quando estas idealizações passam a nos acometer de maneira prejudicial, comprometendo a nossa vitalidade e fragilizando, até mesmo  nossa saúde mental.